sala de aula aguardando o "bom" professor

sobre o que se espera de um “bom” professor

A carreira do magistério superior é cheia de desafios! Demandas por elevada produtividade científica; necessidade de recursos para financiar projetos de pesquisa; cargas horárias em sala de aula em elevação. Ser um “bom” professor não deve estar nessa lista.

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Hoje decidi escrever este texto e fugir um pouco da escrita técnica e científica que eu e diversos outros docentes-pesquisadores estamos acostumados. O ponto que gostaria de discutir diz respeito a um dos temas que usualmente é esquecido ou pouco comentado nas instituições de ensino, que cada vez se faz mais urgente e influencia significativamente a vida de muitos estudantes, técnicos, docentes, colégios e faculdades. Sim, estou falando de um assunto que poderia ser sumarizado em duas perguntas, teoricamente, fáceis de responder:

– O que de fato significa ser um bom professor?

– E como ele deve agir para ensinar e motivar seus alunos?

Todos nós, com certeza, devemos ter uma resposta pronta para estas perguntas em nossas mentes, entretanto, as respostas nunca serão iguais, ou sequer próximas às de outras pessoas, o que inclui os docentes e as próprias instituições de ensino. Tal problemática é observada uma vez que os valores pessoais, as vivências, os princípios éticos e as motivações de cada um de nós são bastante distintas. Tão diferentes a ponto de todos estes aspectos estarem diretamente associados à complexidade das emoções e da mente humana.

Mês passado, completei um ano como docente substituto do ensino superior em engenharia em uma das universidades mais renomadas do Brasil. Entretanto, neste ano completo também dez anos de atuação como professor, levando em consideração os cursos e as aulas particulares que ministro desde quando ainda era estudante do curso de engenharia. Ao longo dessa trajetória, tive a oportunidade de conhecer diversos alunos, com quem conversei e troquei experiências incríveis. Da mesma forma, durante meus seis anos de pós-graduação, referentes ao mestrado e ao doutorado, conheci muitos mestres, doutores e pesquisadores inteligentíssimos e fantásticos, com quem aprendi muito, tanto acadêmica quanto pessoalmente.

Com certeza, ainda sou um novato, em termos de experiência em sala de aula de uma universidade, quando comparado a outros professores que já ministram aulas há anos nas instituições de ensino superior; porém, considero que esses dez anos como professor me ensinaram a maior lição de todas: entender que existem sentimentos, objetivos, emoções, capacidades cognitivas, motivações, desafios, dificuldades, medos, e diversos aspectos que nos fazem seres únicos, completamente diferentes um dos outros. Nesse contexto, é importante que o professor saiba que nem sempre uma mesma metodologia didática irá funcionar para todos os alunos, e, o mais importante, que os alunos não são máquinas unicamente voltadas ao estudo ou à produção científica. Ao final, eles são humanos como os trabalhadores das empresas ou das indústrias e também como nós professores. Quem nunca teve um dia ruim, cheio de problemas e precisou ministrar aula e motivar ao máximo seus alunos, que estão contando com nosso apoio e liderança, com nosso exemplo, que atire a primeira pedra!

Então, após esta década em contato com o mundo acadêmico e com os mais variados tipos de alunos, cheguei à conclusão de que o professor deve se mostrar mais humano em relação aos discentes, buscando se colocar na perspectiva deles, avaliando continuamente os principais perfis dos estudantes (que mudam a cada semestre) e se a metodologia didática aplicada, de fato, atinge efetivamente o seu objetivo principal que é ensinar e motivar. Recentemente, realizei uma pesquisa com meus alunos sobre o ensino nas engenharias. Fiz diversas perguntas específicas a respeito das principais dificuldades encontradas pelos estudantes, dos principais perfis de professores observados, da conexão dos tópicos abordados em aula com o mercado de trabalho e da motivação por parte dos estudantes. Ao analisar as respostas, em média, o resultado foi de acordo com o que eu e meus colegas já havíamos percebido desde a nossa época de graduação: existe uma grande dificuldade de aprendizado e pouca motivação por parte dos docentes.

A maioria dos alunos relatou que muitos professores são muito pouco didáticos e que eles, como estudantes, não se sentem motivados por parte do docente, tendo em vista que os slides de aula, além de numerosos (e infindáveis!) são cansativos e pouco fazem conexões com as práticas profissionais, o que dificulta a assimilação do conteúdo. Além disto, os perfis de professores mais apontados pelos estudantes foram os conservadores e os inflexíveis. Ambos os perfis compartilham de características comuns, como a não atualização dos materiais de ensino ao longo dos semestres e a não-aplicação de trabalhos mais voltados ao dia a dia do engenheiro. Um ponto bastante preocupante, ressaltado por diversos estudantes, foi o fato de muitos sentirem-se desconfortáveis ao enunciarem suas dúvidas em sala de aula, uma vez que o professor ministrante lançava comentários do tipo “como tu não sabes isso? Vais rodar!” ou “como tu passaste na disciplina anterior se estás me perguntando isso?”. No mínimo, fica demonstrada a falta de empatia por parte do docente, que um dia também foi aluno e teve suas dúvidas e dependia do professor para saná-las. Ademais, se o aluno não pode revelar suas dúvidas na universidade, local próprio para o aprendizado e formação profissional, onde ele irá fazê-lo? Em campo, durante a execução de uma obra?!

Por outro lado, a grande maioria das instituições defende muito a qualificação do corpo docente, medida pelo número de publicações e pelas contribuições científicas dos pesquisadores (o famoso “currículo Lattes”), o que é algo, de fato, de extrema importância, porém não é o único ponto relevante. Não podemos esquecer que o aluno de hoje será o profissional-pesquisador de amanhã, e o maior legado que um bom professor pode deixar é o seu poder de ensinar e motivar, características estas que abrirão as portas para o surgimento de profissionais e pesquisadores melhores, contribuindo, portanto, com a qualidade e o reconhecimento da instituição.

O professor, acima do seu posto de docente, também carrega a missão de ser um grande líder, alguém que motiva, que inspira e que luta pela sua equipe (seus alunos, seus colegas e sua instituição). Desse modo, todos esses pontos fazem conexão direta com a solidariedade e a empatia, qualidades imprescindíveis para o sucesso e para uma didática eficaz. Um bom professor é aquele que consegue fazer com que uma matéria muito difícil pareça fácil, ou, ao menos, acessível aos olhos de um aluno, ao mesmo tempo que os motiva a ir além. Um bom professor é aquele que no futuro será lembrado por ter feito a diferença dentre os demais, por ter se destacado, não só como profissional-pesquisador, mas também como um grande líder.

O “bom” professor, no final das contas é aquele que demonstra empatia pelos alunos, pela sua equipe e pela sua instituição. É aquele que propõe soluções assertivas para os diversos problemas que surgem, sem comprometer a ética e os princípios legais, inspirando outros a serem sempre as melhores versões de si mesmos. O “bom” professor é aquele que coloca acima do seu ego, a sua paixão por ensinar e motivar, é aquele que explora e ressalta os pontos fortes dos seus alunos, fazendo-os acreditar que sempre podem ir além e que são capazes de vencer todas as dificuldades.

Por fim, o grande ponto chave para ser um “bom” professor é querer ser, de fato, um bom professor, amando o que faz, buscando se reinventar de tempos em tempos, sendo compreensível com a realidade de seus alunos e demonstrando empatia quando necessário, servindo, portanto, como uma inspiração positiva para que novos profissionais ascendam e continuem o seu legado.

O “bom” professor é, acima de tudo, um exemplo.

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Sobre quem escreve

É Doutor em Recursos Hídricos pelo IPH da UFRGS, com tese baseada em simulações computacionais de sistema de geração de energia a partir de ondas oceânicas. Atualmente é professor substituto na UFRGS e pós-doutorando na PUCRS.
Contato pelo email guilhermefvargas@gmail.com.