o que se vê à margem

A margem é o que não está ao centro. E quem vive à margem vê um panorama mais abrangente. Quem vive à margem consegue ver o que está ao centro e convive com tudo que acontece ao seu redor. À margem é necessário estar fora da média. À margem é possível estar distante da média!

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“I want to stay as close to the border as I can
without going over. Out on the edge you see
all kinds of things you can’t see from the center.”

Kurt Vonnegut (1922-2007)

A margem é o que não está no centro. Estar à margem significa não estar ao centro. Vários locais, vários conceitos, várias ideias, podem abrigar margens. Talvez qualquer coisa possa ser dividida em centro e em margens. Locais, conceitos, ideias. É possível estar à margem de praticamente tudo.

E quem vive à margem é marginal. Mas existe atualmente essa interpretação que associa marginais a criminosos. E a marginalização à criminalização. Talvez porque à margem seja possível ver as coisas de um modo diferente. Ou porque para ser criminoso seja necessário ver as coisas de um modo diferente.

À margem é possível ver e aceitar diferentes pontos de vista sem ter que concordar com qualquer deles. Essa possível clareza de julgamento permite um melhor entendimento da realidade e de suas contradições, de suas insanidades, de suas incoerências. É possível não ter necessariamente que assumir algum lado.

Melhor ainda… à margem é possível entender e observar diferentes pontos de vista, ou mesmo diferentes ideias e conceitos, sem ter que obrigatoriamente julgar qualquer um deles. É possível permitir que todos sobrevivam e convivam em uma mesma arena, para ver qual deles conseguirá superar uma “livre concorrência”.

É engraçado ver como em períodos eleitorais, como o norte-americano por exemplo, todos precisam assumir posições e como isso os afasta de pontos de vista isentos. É como se nessas situações todos precisassem assumir posições ao centro, para apenas depois voltarem às suas posições originais, seja ao centro ou seja às margens.

O termo que surgiu, “posição ao centro”, não está associado ao “centro” político, a meio caminho entre esquerda e direita, mas significaria a necessidade de assumir alguma posição, diferentemente de se poder assumir posição isenta, identificando pontos positivos e pontos negativos de cada uma das diferentes possibilidades.

Talvez prefiram estar à margem aqueles que preferem não ter obrigações ou responsabilidades com pontos de vista. Ou talvez estar à margem seja a maior de todas as responsabilidades, por justamente se ter tomado essa decisão de não estar ao centro. Ou simplesmente porque estar à margem permita ter pontos de vista sem assumir responsabilidades por algo tão simples.

Talvez estejam ao centro aqueles que tenham pontos de vista claros. Aqueles que sabem claramente o que querem. Mas talvez também estejam ao centro aqueles que prefiram transitar entre vários pontos de vista, ou que prefiram os pontos de vista da moda. Ou talvez porque simplesmente após um “jogo de cadeiras”, algum ponto de vista vai lhes cair no colo.

Talvez ao centro estejam as posições mais fáceis para quem prefere pontos de vista de ocasião ou de sua própria comodidade ou conveniência. Talvez à margem se acomodem melhor aqueles que preferem observar a evolução dos diferentes pontos de vista e que preferem ter seus próprios pontos de vista. Mas sempre existirão ocupantes para ambas as posições.

E eu prefiro estar à margem…

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A epígrafe desta crônica, uma frase notável do escritor norte-americano Kurt Vonnegut, também é epígrafe do livro Energias renováveis, velharias clássicas e uma certa obsessão positiva, publicado pela Editora Metamorfose em novembro de 2021.

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Sobre quem escreve

Escritor com livro de crônicas publicado em 2021 e livro de contos em 2022. Doutor em Engenharia, professor da UFRGS e pesquisador do CNPq em energias renováveis. Editor convidado em livro publicado pela Academic Press.
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