blade runner

então – afinal – Deckard não era um replicante?

É anunciada uma nova continuação para Blade Runner, de 1982, ainda sem data para lançamento. A continuação de 2017 mostra o policial Rick Deckard mais velho, 30 anos depois dos fatos narrados no filme de Ridley Scott. Mas (ao menos na “versão do diretor”) ele não era um replicante?

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A primeira versão do filme é de 1982 e logo se tornou um “cult movie”. Havia um clima noir, mas havia uma narração (inserida depois, como se ficou sabendo com o tempo) um tanto incômoda. E a dúvida se a personagem principal era um replicante ou um humano existia principalmente por comentários de produtores e do diretor em entrevistas.

Nos anos 90, surgiu a primeira “versão do diretor”, sem essa narração suplementar e basicamente com algumas cenas cortadas e com outras cenas adicionadas. E nessas pequenas diferenças surgia uma narrativa inteiramente nova e mais complexa. Talvez lá em 1982 os produtores tenham pensado que o filme seria complexo demais para ser digerido pelos expectadores pretendidos.

A verdade é que, entre as inserções, aparecia um sonho de Deckard, quando ele estava no sofá com um copo de uísque. Nesse sonho, ele via um unicórnio cavalgando. Esse sonho poderia ser encarado como um sonho normal, que poderia ser sonhado por qualquer pessoa normal. Um sonho qualquer… mas também poderia ser uma memória enxertada, caso ele fosse de fato um replicante.

Mas na cena final, quando ele retorna para seu apartamento para buscar Rachel e para que possam fugir juntos, ele encontra caído no corredor um origami de um unicórnio, feito por Gaff, um outro policial. Rachel teria que fugir porque também era uma Nexus 6. Ela não estava entre os fugitivos, mas deveria sair de circulação. E Deckard fugiria para ficar com ela. Ou estaria fugindo porque também precisaria sair de circulação?

A cena final do filme de 1982 foi retirada dessa “versão do diretor”. Os replicantes teriam apenas quatro anos de duração e Rachel não seria um caso especial, sem prazo para desligamento, que depois poderia viver feliz para sempre com Deckard. Ela teria também apenas quatro anos de duração. E Deckard – sendo um replicante – também teria ainda pouco tempo.

Então, nessa época de intermináveis trilogias e de repetidas continuações de filmes, de busca por grandes bilheterias, de filmes transformados em games, Deckard aparece envelhecido na continuação de Blade Runner. Seriam Rachel e Deckard especiais e teriam tempo não-limitado de existência? Ou simplesmente Deckard não seria um replicante?

Quando surgiu o primeiro trailer da continuação, em 2017, o ano de 2019 se aproximava e o mundo seguia como antes. Quer dizer, o mundo de 1982 que assistiu uma distopia sobre como o mundo poderia ser em 2019 seguia o mesmo, apesar do ano de 2019 estar chegando rapidamente. A continuação foi intitulada Brade Runner 2049 e se passaria trinta anos adiante do primeiro filme. Deckard aparece envelhecido, em vida reclusa e aparentemente entregue à bebida.

É que existe muito mais sobre a vida e sobre o mundo ainda escondido ali nas entrelinhas do filme dos anos 80. Parece que o diretor (ou alguém) não queria contar toda essa história de uma vez. Então uma versão “romantizada” foi liberada antes, para que todos se acostumassem com a ideia. E depois em conta-gotas a verdade foi sendo revelada, para aqueles que quisessem de fato ver a verdade. E, agora, em tempos complicados, alguém no apagar das luzes quer recontar essa história.

Eu prefiro a versão em que Deckard é um replicante!

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Outras resenhas podem ser encontradas no livro Energias renováveis, velharias clássicas e uma certa obsessão positiva, publicado pela Editora Metamorfose em novembro de 2021. Neste site, um tópico específico — resenhas — traz textos inéditos, como este de hoje.

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Sobre quem escreve

Escritor com livro de crônicas publicado em 2021 e livro de contos em 2022. Doutor em Engenharia, professor da UFRGS e pesquisador do CNPq em energias renováveis. Editor convidado em livro publicado pela Academic Press.
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