afinal – o que é a complementaridade?

Duas coisas são complementares quando uma atua de modo complementar à outra. A complementaridade energética vai existir quando dois recursos energéticos forem aproveitados de modo que um complemente o outro.

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As usinas de geração de energia baseadas em recursos renováveis enfrentam várias dificuldades de aceitação, principalmente devido aos altos custos iniciais e à baixa eficiência final do conjunto. Uma maneira de melhorar o desempenho desses sistemas é utilizar mais de uma fonte de energia e tentar somar as vantagens de cada uma.

Por muito tempo, os geradores a base de combustíveis fósseis foram considerados um suporte necessário à operação de usinas baseadas em recursos renováveis, mas apenas nos últimos anos o uso de mais de um tipo de fonte de energia renovável no mesmo sistema de energia, como eólica e solar, passou a ser seriamente contemplado.

Combinações interessantes também são aquelas em que os sistemas híbridos baseados em mais de uma fonte de energia aproveitam a possível complementaridade entre os recursos aproveitados, acopladas a reservatório de água e/ou outros dispositivos para armazenamento de energia. (A otimização desses sistemas é tema recorrente em artigos científicos especializados.)

O primeiro trabalho a propor meios para quantificar a complementaridade energética, entre outras contribuições, foi a tese de doutoramento do autor, defendida em 2001. Essa tese levou a publicação de alguns artigos, notadamente o artigo publicado em 2008 pelo periódico científico Renewable Energy, entre outros que o sucederam nos anos seguintes.

Mas, afinal…

O que é a complementaridade?

Uma figura sempre facilita o entendimento… A figura abaixo foi produzida para o artigo publicado pelo periódico Energies em 2018, que propõe um método para a abordagem da complementaridade espacial. (O primeiro artigo, aliás, a lidar objetivamente com esse tema.) Vamos tentar entendê-la!

Essa figura mostra dois gráficos com doze barras verticais. Cada um desses gráficos mostra as disponibilidades médias mensais de dois recursos energéticos renováveis variáveis. Observe que abaixo dos eixos horizontais desses gráficos aparecem indicados os sucessivos meses do ano (J – janeiro; F – fevereiro; M – março; e assim por diante).

O gráfico mais acima, à esquerda, pode ser pensado como um gráfico de disponibilidade hídrica em um rio, um gráfico de vazões médias mensais através da seção de um rio. O gráfico mais abaixo, à direita, pode representar a disponibilidade solar, um gráfico de radiações incidentes médias mensais sobre uma superfície horizontal.

Essa figura mostra ainda algumas inscrições em inglês. A primeira, mais acima e para a direita, é “average energy value” e significa “valor médio de energia”. Logo abaixo aparece “range variation around the mean”, que significa “amplitude de variação em torno da média”. Depois, “gap between the minimium values”, “diferença entre os valores mínimos”. Depois, ainda, “average energy value” e “range variation around the mean”, ou “valor médio de energia” e “amplitude de variação em torno da média”.

gráficos para explicação da complementaridade energética

No gráfico acima, mais à esquerda, o mês com menor disponibilidade é o mês de agosto. No outro gráfico, é o mês de junho. Um sistema energético encontraria uma complementaridade perfeita se houvesse seis meses de diferença entre esses meses de mínima disponibilidade. Sendo de apenas dois meses a diferença entre junho e agosto, a complementaridade disponível será bem menor.

Uma complementaridade perfeita também exigiria que as energias médias nesses dois gráficos, configurada pelas linhas que aparecem como ponto-traço em cada gráfico, fossem iguais. Além disso, uma complementaridade perfeita também exigiria que as variações de cada recurso energético em torno de sua respectiva disponibilidade média fossem idênticas.

O ponto de partida para o estudo da complementaridade foi a ideia de que quando houver maior quantidade de chuva, eventualmente nos meses de inverno, será o período de menor insolação e maior presença de nuvens. Meio anos depois, será o período de seca (ou de menor disponibilidade hídrica relativa) e o período de maior disponibilidade de energia solar. Claro que uma situação de complementaridade perfeita não será verificada em todos os locais, mas o fato é que se faz necessário localizar esses sítios com melhores complementaridades.

O termo complementaridade então deve ser entendido como a capacidade de trabalhar de forma complementar. As expressões complementaridade energética ou complementaridade entre fontes de energia, ou ainda complementaridade entre recursos energéticos, referem-se à capacidade de duas (ou mais) fontes de energia apresentarem disponibilidades energéticas complementares entre si.

A palavra “temporal” pode aparecer associada às expressões citadas neste último parágrafo, sugerindo uma classificação de complementaridade.

Quais os tipos de complementaridade?

A complementaridade pode ocorrer no tempo mas também no espaço ou em ambos, e pode ocorrer entre uma mesma fonte de energia em locais diferentes ou entre duas ou mais fontes de energia diferentes em um mesmo local. A complementaridade em um mesmo local é denominada complementaridade temporal enquanto em locais diferentes como complementaridade espacial.

A complementaridade em si, tanto a temporal quanto a espacial, deve ainda ser “dividida” em componentes. Uma delas relativa à defasagem ao longo do tempo, outra relacionada com a proporção de energia correspondente à cada um dos recursos aproveitados e outra, ainda, devido às variações de amplitude de cada recurso energético. A primeira é a complementaridade no tempo, a segunda é a complementaridade de energia e a terceira, entre amplitudes.

Desse modo, a complementaridade temporal no tempo (mesmo que essa denominação pareça estranha ou redundante) corresponderá à complementaridade entre fontes renováveis em um mesmo local, considerando a defasagem entre os meses do ano nos quais ocorrem os menores valores de disponibilidade energética dos recursos envolvidos.

A complementaridade temporal de energia corresponderá também à complementaridade entre fontes renováveis em um mesmo local, considerando agora a diferença entre as energias médias anuais das disponibilidades energéticas dos recursos envolvidos.

A complementaridade espacial no tempo, por sua vez, corresponderá à complementaridade entre fontes renováveis (possivelmente uma mesma, ou mais de duas) em locais diferentes, considerando a defasagem entre os meses nos quais ocorrem as disponibilidades energéticas mínimas dos recursos envolvidos. (Essa determinação também pode levar em conta as disponibilidades máximas.)

Sobre a complementaridade no tempo

Como comentado acima, é a complementaridade em um mesmo local, evidenciada pelo intervalo de tempo entre os meses nos quais acontecem os valores de disponibilidade energética mínima dos recursos energéticos aproveitados.

A figura abaixo mostra um mapa de complementaridade temporal no tempo para o Estado do Rio Grande do Sul. Esse mapa foi apresentado na tese do autor e depois divulgada no artigo de 2008 publicado pela Renewable Energy.

mapa de complementaridade do Estado do Rio Grande do Sul

As regiões mostradas em tons mais escuros de cinza indicam regiões com melhores complementaridades no tempo entre as energias hidrelétrica e fotovoltaica. As linhas curvas indicam complementaridades constantes.

E sobre a complementaridade espacial

É a complementaridade verificada entre recursos energéticos em pontos diferentes. O mapa abaixo indica complementaridade espacial no tempo entre usinas hidrelétricas e usinas eólicas nas regiões centro e leste do Estado do Rio Grande do Sul.

Esse mapa foi apresentado por Alfonso Risso em sua tese de doutoramento, em 2019, e esse mapa havia sido divulgado no artigo citado acima, de 2018, publicado pelo periódico científico Energies. As rosas de complementaridade exigem cuidado em sua leitura.

mapa de complementaridade espacial para o litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul

É uma grande quantidade de informações para cada ponto nesse mapa e por isso a decisão por dividir o espaço em regiões hexagonais e em cada uma delas indicar a complementaridade espacial com o que se convencionou denominar como “rosas de complementaridade”.

As cores das pétalas indicam as intensidades de complementaridade e seus comprimentos indicam as distâncias para as usinas com as quais foi efetuada a determinação de complementaridade. As células em verde contêm usinas hidrelétricas e as células em amarelo, usinas eólicas. No caso de alguma célula conter ambas, aparecerá no mapa em cinza. Todas as células contendo alguma usina terão, em sua rosa de complementaridade, pétalas apontando para todas as outras células.

Mapas como este e como o anterior servem como ferramentas para a decisão por novos empreendimentos para geração de energia e também para um melhor gerenciamento dos sistemas interligados. Mesmo que aa operação de um sistema interligado seja baseado na otimização do consumo das disponibilidades energéticas, apenas um estudo direcionado para o aproveitamento de complementaridade poderá levar às melhores soluções.

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Esta crônica discute temas abordados em Energias renováveis, velharias clássicas e uma certa obsessão positiva, publicado pela Editora Metamorfose em novembro de 2021. O livro publicado pela Academic Press em maio de 2022 aborda esse tema em nível acadêmico.

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Sobre quem escreve

Escritor com livro de crônicas publicado em 2021 e livro de contos em 2022. Doutor em Engenharia, professor da UFRGS e pesquisador do CNPq em energias renováveis. Editor convidado em livro publicado pela Academic Press.
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